Quentin Taratino nunca foi dono de uma grande modéstia. Daí que não espante que tenha feito da última linha de Inglorious Basterds – Sacanas Sem Lei (quem processamos pelo título português?) um desafio arrojado à sua própria obra: “This might be my masterpiece”, diz Aldo Raine, o bastardo Brad Pitt.
O realizador trabalhou neste filme quase dez anos e, ainda antes de Kill Bill e Death Proof, já o anunciava como a sua obra-prima. Depois de ter visto o novo filme fico com a sensação de que não consegue sê-lo. A obra maior do mestre (já podemos chamá-lo assim) norte-americano continua a ser Kill Bill – os dois volumes em conjunto: É aí que ele consegue explorar todo o seu universo de forma mais intensa e consistente.
Ainda assim, Inglorious Basterds é um excelente filme. Desde logo é surpreendente: Não é um filme sobre a II Guerra, é um filme sobre cinema. E é o cinema que faz desta uma obra maior. Quentin sublinhou a importância da arte para a estética e a propaganda do regime nazi e criou uma realidade histórica alternativa em que o cinema é o autor da vingança.
Temia que Tarantino se limitasse a criar uma jornada sanguinária da furiosa banda de bastardos liderados por Pitt. Era mais ou menos isso que nos anunciavam. Mas Sacanas Sem Lei é muito mais do que isso. Aliás, praticamente não chega a ser um filme sobre os bastardos, o que é susceptível de defraudar parte da audiência.
O filme é antes uma deliciosa e perversa vingança de uma mulher judia que é o ponto comum entre as duas sequências mais significativas do filme: os capítulos I e V. Shosanna (a belíssima Mélanie Laurent) e o coronel nazi Hans Landa (excelente interpretação de Christoph Waltz) são o núcleo central do filme.
Nestes dois capítulos Taratino concentra os principais argumentos da obra. A sequência inicial é genial. A estética é apuradíssima (Leone e Ford). E os diálogos multilingue são muito bem delineados: Uma dança, cheia de twists e um desfecho explosivo (a ultra-violência de Quentin tinha que estar presente).
Estou de acordo com Taratino quando ele diz que é uma das grandes sequências da sua carreira. Aliás, parece-me que entra na galeria dos melhores pedaços de cinema feitos na década 00.
Landa e Shosanna reencontram-se na sequência final do filme. Uma explosão de violência, com uma força simbólica (quase poética) que se revela triunfante. E, para apimentar a coisa, ainda há Bowie (sublinhando que aquele não é um filme de época) a incendiar mais a sala – literalmente também.
Quentin Tarantino pode não ter feito a sua obra-maior, mas fez um dos grandes filmes dos últimos tempos.
Post scriptum – a quem é que eu emprestei o DVD da edição especial do Reservoir Dogs?
5 comentários:
Fui ver no Sábado. Grande filme.
Excelente análise. Nota-se que é de quem como eu gostou muito do filme.
Só discordaria de ti quando tentas perceber qual é a obra prima do senhor. Se não for o Pulp Ficton, parece-me que é este. Num volume, consegue atingir o nível do conjunto do kill bill.
Não tinha visto o que escreveste sobre o filme antes de escrever sobre ele no meu "estaminé". Parece que temos opiniões contrárias! Mas o Tarantino é um daqueles que que merece sempre uma desculpa não é?
Cheers!
Acabo de vê-lo. Ainda bem que só tinha lido o primeiro parágrafo deste post, assim foi uma bela surpresa. Mas não há bela sem senão. É um excelente filme, demasiado filme para aquilo a que o senhor T. me habituou.
Os meus amigos disseram: "Opá este sim é um grande filme do gajo, curti mais, é mais filme que os outros que já fez". Concordei com eles na acentuação que deram à palavra "filme". Mas, para mim, isso foi um ponto negativo.
Parece-me que gosto do filme precisamente pelos mesmos motivos que o Gil e o Cláudio não gostaram. Tarantino faz de um filme sobre o momento mais negro da história da humanidade um momento poético que é um elogio do poder do cinema. Acho que dificilmente podia ser mais bonito.
Claudio: devia ter escrito no post "Atenção-Contém spoilers" :)
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